sexta-feira, 25 de junho de 2010

SOLI DEO GLORIA

Uma das bandeiras mais altaneiramente levantadas pelos Reformadores do século dezesseis foi a que pôs em relevo, acima de qualquer outra realidade, a glória de Deus, o imperioso dever que todo ser humano tem de glorificar única e exclusivamente ao Senhor, de reconhecer que somente Deus, mais nada nem ninguém, é digno de honra, glória, louvor e adoração. Tal doutrina, numa primeira apreciação, parece tremendamente óbvia, afinal das contas, se Deus é Deus, então somente ele pode ser louvado, adorado, exaltado, magnificado, bendito.
No entanto, como bem asseverou João Calvino: “o coração do homem é uma fábrica de ídolos”. Sendo assim, estamos sempre propensos a nos autoglorificarmos ou a glorificarmos a quem supomos pecaminosamente merecer nossos louvores e reconhecimento. Aliás, no exato momento em que a Reforma Protestante hasteava o estandarte do Soli Deo Gloria, a igreja cristã se havia desviado desse princípio inamovível e, ato contínuo, erigido, tanto no culto quanto na vida, altares nos quais o homem ocupava posição de destaque, sendo tratado como se portador de méritos fosse, a ponto de reivindicar para si o que é atributo e prerrogativa indisputável de Deus.
Na vida, o homem imaginava que as suas boas obras eram suficientes para granjear a salvação da sua alma e torná-lo merecedor do favor de Deus. No culto, o excesso de cerimonialismo, pompas, invencionices humanas substituía a simplicidade da pregação da Palavra de Deus, da correta administração dos sacramentos, do louvor agradecido e congregacional e da oração contrita e reverente. No lugar daquilo que Deus prescreve nas Escrituras Sagradas, fundamento primacial do Princípio Regulador do Culto, entronizavam-se performances antropocêntricas roubadoras, por excelência, da glória somente a Deus devida.
O Soli Deo Gloria, ao longo da história, tem suscitado raivosos questionamentos por parte do depravado coração dos homens e do obscuro entendimento espiritual por eles exibido. Há que não exiba nenhum pejo em afirmar, com inacreditável insolência, que, ao exigir glória somente para si, o Deus cristão revela-se narcísico e indisfarçavelmente egoísta. O teólogo reformado James Innel Packer afirma em seu livro Religião Vida Mansa: a Teologia do Prazer e o desafio para o crente num mundo materialista que: “A possibilidade desse argumento deriva do nosso hábito de fazer Deus à nossa imagem e pensar nele como se ele e nós estivéssemos no mesmo nível. Se este modo de pensar fosse certo, então o fato de Deus buscar sua própria glória em tudo realmente o faria comparável ao pior dos homens e ao próprio Satanás. Mas nosso Criador não é homem, nem mesmo um super-homem. E essa maneira de pensar a respeito dele é idolatria grossa”.
Deus é Deus. Glorificá-lo em tudo, pois, é o dever mais solene do homem e a Teleologia mais indesviável do universo. Deus é digno de glória, porque é o Criador e preservador de todas as coisas. O espetáculo sublime da vida não é fruto do ocaso, nem se originou em processos cósmicos de impessoal evolução, antes, é resultado do sábio e poderoso propósito do Criador. Deus é digno de glória, porque, livre e graciosamente, nos fez à sua imagem e semelhança. Deus é digno de glória porque, depois de nos rebelarmos perversamente contra Ele, de modo misericordioso Ele se revelou a nós, fez alianças conosco e nos presenteou com a dádiva maior: Jesus Cristo, Salvador e Senhor nosso. Quando poderia ter-nos deixado perecer eternamente no estado de absoluta corrupção moral e cegueira espiritual, do qual jamais nos libertaríamos por nós mesmos, Ele estendeu-nos o seu braço forte, retirou-nos das trevas em que jazíamos e fez brilhar em nossos corações a fulgurante luz do evangelho da graça.
A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos herdeiros de uma grande e incomparável salvação. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem, pela instrumentalidade suficiente da pregação do evangelho, nos vocacionou eficazmente e nos atraiu a Cristo pelo poder glorioso do seu Santo Espírito. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem produziu fé salvadora em nossos corações. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos conduziu a um genuíno ato de arrependimento e pesar pelos nossos vis pecados. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem vivificou as nossas almas mortas através do milagre soberbo da regeneração. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos amou primeiro. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos justificou, cancelou a culpa do pecado que nos escravizava e nos imputou a perfeita justiça do seu Filho. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos lavou com o sangue de Jesus Cristo, Redentor das nossas almas. A glória é do Senhor, porque é Ele quem nos tem santificado e sustentado no estado de graça. A glória é do Senhor, porque foi Ele quem nos adotou em sua família. A glória é do Senhor, porque é Ele quem nos tem dado direção espiritual segura mediante a suficiência da sua Palavra inspirada, inerrante e infalível. A glória é do Senhor, “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Romanos 11.36). SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.

JOSÉ MÁRIO DA SILVA

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